“Na ponta
dos pés!" a jovem elfa gritou antes de puxar desesperadamente a rédea
esquerda. Seu lobo virou rapidamente e tropeçou. A elfa se agarrou nele,
escorregou pelo lado da sela, e os dois rolaram para o chão.
Ruzi resistiu
a vontade de rir. "Pontas dos pés? Esse é seu novo apelido?"
O lobo
rosnou em resposta a sua questão e lançou um olhar para a elfa.
"Diga-me
o que você fez de errado," Ruzi disse a seu estudante.
Era a
primeira vez da elfa no salão de treinamento, que era uma combinação de pista de
obstáculos e sala de aula. A grande e arejada sala tinha um grande salão de
treino com uma elaborada rede de cabos elevados e obstáculos pendurados. A sala
cheirava a raspas de cedro e folhas de trepadeira, que floresciam nas paredes
grafadas. Em dias ensolarados como hoje, Ruzi abria uma abóboda intrincada para
deixar entrar a brisa de verão.
Como
treinador-mestre, Ruzi ensinava os membros mais jovens de Selesnya e seus lobos
a se tornarem Cavaleiros de Lobos. As várias caixas, pilares, e vigas forma projetadas
para imitar os ambientes que seus estudantes iriam enfrentar enquanto
atravessassem os tetos da cidade.
"Puxei
a rédea muito forte?" ela murmurou, batendo a areia da pelagem avermelhada
de seu lobo. A garota e seu lobo estavam no inicio da adolescência, e tinham a
curiosidade que ele lembrava ter quando era uma criança. Eles também tinham
membros longos e finos, os quais ele não sentia a mesma saudade de ter.
"E?"
Ruzi seguiu.
Quando
ela pareceu confusa, ele se virou para o resto de seus pupilos, que olhavam
atentamente do observatório que circulava o salão de treino. Esse grupo de jovens
era novos no treinamento, mas tinham nascido no Conclave, e assim ele
reconhecia seus rostos. Cavaleiros eram ligados a seus filhotes quando eram bem
jovens, com isso recrutas adultos raramente chegavam ao status de Cavaleiro de
Lobo.
Ninguém
falou. Eles apenas olhavam o professor em silenciosa reverencia. Ruzi era uma
lenda entre os membros de Selesnya, na maioria das vezes ele se chateava por
isso. Mas levaria apenas algumas sessões de treino para os novatos esquecerem
seu heroísmo durante os Tumultos dos Distritos e se concentrar no trabalho e se
tornarem cavaleiros competentes.
"Ela
desacelerou antes de chegar na viga," Ruzi disse. Ele girou uma manivela e
ergueu a fina viga do chão. "Diminuindo a velocidade, você diminui a
agilidade. Vocês tem que confiar nos instintos de seus lobos e não abrir
caminho para seus medos."
"Kuma!"
Ruzi chamou seu lobo, que já estava pulando da plataforma para tomar seu lugar
ao lado de seu cavaleiro.
Kuma estava
sem sela e rédeas, Ruzi montou diretamente nas costas do lobo. Assim que o lobo
sentiu o peso, ele saltou entre as plataformas até alcançar o lugar mais alto
próximo ao teto. A fina viga balançava com o vento que soprava pela abóboda. Mas
Ruzi impeliu seu lobo sem hesitar. Kuma parecia dançar pelo espaço enquanto Ruzi
fingia atirar flechas em seus estudantes abismados.
De volta
ao chão, Ruzi sorriu para Kuma, que mostrou um sorriso cheio de presas. "Acreditem
em seus lobos," ele disse. "Acredite que ele é duas vezes mais
esperto que vocês."
Os
estudantes sorriram e saíram em direção a saída, brincando com os lobos que
tinham criado laços desde antes que eles pudessem caminhar.
Quando o
ultimo deles havia saído pela porta, ele finalmente percebeu a dríade que
estava aguardando junto à porta por quase toda a sessão. Ele queria que ela
saísse, então ele a ignorou e sua frustração crescente.
"Bem-vinda,
Mazena," ele disse. "O que eu posso fazer por você?"
"Nós
temos uma mensagem importante da Líder da Guilda, Trostani, e você nos deixou
aguardando por eras," ele bradou.
"Eu
deveria negligenciar meus estudantes em seu favor?" ele perguntou. Mazena era
uma das conselheiras mais confiáveis de Trostani. Seu carisma não podia ser
refutado, mas sua imposição era insuportável. Ela emanava uma aura de poder e autoconfiança
que o atraiam e afastavam ao mesmo tempo.
"Nós
deveríamos gastar mais tempo louvando a Alma do Mundo do que fazendo truques de
circo para crianças."
"É
difícil de aprender o que você não consegue ver com seus próprios olhos,"
Ruzi respondeu. Ruzi não era popular entre as dríades. Seu descontentamento com
a liderança da guilda era amplamente conhecido, e apenas seu passado heroico o manteve
nas boas graças dos lideres das dríades.
"E
ainda sim a Alma do Mundo é nosso maior professor e nosso maior mistério,"
Mazena disse. Ele citava uma passagem dos Ensinamentos de Trostani, a
maneira mais certeira de acabar com qualquer discussão.
"O
que você quer?" Ruzi perguntou rudemente, decidindo que o debate
filosófico apenas adiaria o inevitável. Ruzi amava sua guilda—costruir jardins,
cuidar de animais, e honrar a vida e a comunidade. Mas secretamente, ele amava
mais o trabalho da guilda do que adorava
a Alma do mundo. Os membros de Selesnya acreditavam que a Alma do Mundo era um
inconsciente coletivo que os guiava para unidade harmonia. Ruzi achava mais
fácil confiar em seu lobo e no arco em sua mão e utiliza-los se fosse necessário.
"Nós
queremos harmonia," Mazena disse. "Nós queremos paz. Nós queremos o
que for melhor para o Conclave."
Ruzi havia
visto mais harmonia da ameaça de violência do que vinda da musica cantada pela
Alma do Mundo. "Porque você está aqui? Nesse momento. Parada em minha sala
de aula."
"Trostani
sentiu uma situação... problemática," ela disse. "Você deve ir ao Cinturão
de Escombros. E deve partir hoje."
"O
que?" Ruzi perguntou surpreso. O Cinturão de Escombros era uma área de ruínas
que começava na beira mais distante do Décimo Distrito. "Essa não é uma
jornada simples."
"è o
melhor para o Conclave," Mazena disse. "Ou por ser um herói você se
julga muito bom para o trabalho?"
Ruzi lutou
contra a vontade de discutir com ela. Havia algo de errado em cada faceta
daquela frase. Mas essa era a natureza manipulativa das dríades.
"O
que você quer que eu faça por lá? Espiar os Gruul? Trazer um javali para o
jantar?"
Apesar da
sua beleza, a dríade fez uma cara não muito bonita. "Você tem que realmente
perguntar?"
"Você
quer que eu vá até Cecilee," ele disse. "Você quer que eu encontre
minha irmã."
"Ela
é o seu sangue, sua família dentro de nossa família. Como você pode hesitar?"
Ele hesitava
porque ela havia mudado da menina com que ele havia crescido junto. Ela deixou
Vitu-Ghazi para ir viver nas terras ermas do Cinturão de Escombro. Ela partiu
para curar os doentes e moribundos, para trazer harmonia aqueles que só
conheciam o caos. Ela partiu e ele nunca esperou a ver de novo.
Quando
eles eram mais jovens, os três—Cecilee, Ruzi, e seu lobo Kuma—eram inseparáveis.
Mas Cecilee era a líder de sua própria comunidade, e as palavras que saiam de
sua boca nunca pareciam suas palavras.
Ele ouviu falar que ela havia adotado uma criança Gruul para cria-lo como seu próprio
filho. Os Ginetes de Lobos que a visitaram o disseram que ela até mesmo
batizado seu sobrinho com seu próprio nome. Mas Cecilee não havia feito nenhuma
tentativa de contatar seu irmão.
Ainda
assim, Mazena a Manipuladora estava certa em uma coisa. Quando o assunto era Cecilee,
não seria ele que diria não.
Algumas
horas depois, Ruzi e Kuma tinham alcançado o ultimo telhado a margem do
Cinturão de Escombros. Não era aurora ainda, apesar de que o horizonte estava
tingido com o vermelho do nascer do sol vindouro. Pouco a vontade, ele olhava o
terreno estranho a sua frente.
Por anos,
Ruzi e Kuma viajaram pelas vias aéreas juntos. Ela amava vagar pelos domos e
torres onde ele podia sentir a luz do sol sem nenhuma obstrução. Jardins aéreos
pontilhavam os telhados, pequenos retalhos de vida e cor, que davam esperança
para Ruzi quando ele os avistava. Ruzi odiava o chão descolorido e sujo, onde a
luz raramente chegava ao calçamento. Bem abaixo, tudo parecia tingido com uma tonalidade
marrom. As cores mais brilhantes eram as
roupas esfarrapadas das crianças.
Ele e sue
lobo podiam viajar por dias pelos tetos das construções e as patas de Kuma
nunca tocavam o chão de Ravnica. Mas isso não parecia mais uma opção. A sua frente,
a escuridão manchada do Cinturão de Escombros se alongava como um poço de
escuridão. Sem iluminação, sem o cheiro confortante de folhas, nada além de um
matagal de escombros e selvagens.
"Isso
é onde Cecilee escolheu para se acomodar?" Ruzi murmurou para seu lobo. Em
algum lugar naquela escuridão estava o pequeno vernadi de sua irmã, uma comunidade ávida de evangelistas
devotados, que queriam trazer a verdade de Selesnya para todos que não haviam
ouvido.
"Se alguém
conseguir fazer raízes crescer aqui, esse alguém é Cecilee," Ruzi disse a
si mesmo, enquanto retornavam para tomar um caminho ao nível da rua.
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